quinta-feira, 18 de abril de 2013

17 maio 1940
Querida Elizinha:
Recebemos finalmente hoje a sua carta, hoje sexta-feira. “Finalmente” porque eu
estou sentindo tanto sua falta em casa, que terça-feira já esperava pelo correio. Você
indo embora a casa ficou muito vazia e eu muito sozinha. Espero somente que tudo isso
se justifique com o melhor aproveitamento possível de sua estadia aqui.
Pretendo ir aí no sábado. Ou talvez no outro ainda, porque há um baile e há a
probabilidade em 3 milhões de que eu vá: não tenho vestido (queria fazer uma saia
comprida de veludo e uma blusa de renda, mas o custo é imenso). Recebi na 2ª feira
281$200 na redação concernente a traduções antigas (Clarice trabalhava como repórter
e tradutora na Agência Nacional.). Mas entre as qualidades do dinheiro não está a
elasticidade.
Elisa, tem outros hóspede aí? Só queria. Olhe, bichinha, você tem sempre sorte
com o número 13, as viagens, são três, para Teresópolis, eram em cadeiras 13, e etc.,
não é? Pois bem, você viajou no dia 13. E papai notando isso, disse que no concerto de
Yascha Heifetz (O violinista Yascha Heifetz tocou em Recife quando Clarice morava
naquela cidade.) sua cadeira era nº 13! Vou ver se lhe arranjo um balangandã nº 13.
Elisa, você tem por aí perto uma farmácia, para que lhe deem injeção?
Por favor, escreva mais um pouco: sou eu quem pede e Tania, para quem eu li
sua carta. Papai não está, por isso não se manifesta. Escreva mais detalhes: lembre-se
que não sabemos absolutamente nada de sua vida aí. Tem trabalhado muito em Juiz de
Fora. Cuidado com uma “surménage” (Estafa).
Minha filhinha, seja feliz. Não me desaponte. E escreva logo que receber esta,
no mesmo dia.
Tania não manda muitos recados, diz que lhe escreverá. Manda mil abraços e
lembranças.
Um grande abraço de sua
Clarice
P.S. Não fique nervosa se não puder entender a letra. Conte até 10, dê uma volta
pelo jardim e volte à tarefa com o espírito de sacrifício cristão.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Cartas selecionadas do livro de : CLARICE LISPECTOR


Belém, 26 - 2- 44, sábado

Alô, querida!
Recebi ontem o seu telegrama que Maury mandou para o Mosqueiro (onde tem a
praia), onde fui passar uns dias. Mas voltei hoje de manhã, passando lá só um dia. A luz
é horrível para se ler lá e apaga às 10 horas. Não dormi bem, embaixo dum mosquiteiro,
e resolvi voltar.
Não lhe mando a resposta por telegrama por não me parecer muito urgente. A
verdade é que não estou com vontade de publicar aqueles contos. (Tudo leva a crer que
estes contos são os mesmos reunidos num volume e enviados por Clarice para um
concurso da Editora José Olympio, na década de 40. Segundo Affonso Romano de
Sant’Anna, na década de 70 Clarice cogita publicar estes contos, mas suprime dos
originais alguns deles (dentre eles Muito feliz). Affonso recorda-se de que eles haviam
sido arrancados quando Clarice lhe envia uma cópia datilografada, pedindo seu parecer
sobre uma possível publicação. Os contos foram publicados postumamente em A bela e
a fera (1978).) Quando eu os releio não os acho ruins, mas fora do meu espírito atual.
Isso quer dizer muito: que eu não tenho vontade de provocar críticas, possivelmente
ruins, por uma coisa que não me interessa muito. Se fosse pelo meu livro, vá lá. Mas
assim... O “Muito feliz” tem muitos defeitos e eu precisaria corrigi-los todos. Pra quê? É
melhor deixar. Porque é que você diz que Buono (Buono Jr. era paginador da Vamos
Lêr!, revista localizada no mesmo andar do jornal A Noite, onde Clarice trabalhou.)
“acha conveniente” a publicação? Interesses de venda do livro? Não entendi. É melhor
não mexer nesses contos que já me deram desgosto, não acha? Com a publicação deles
eu só desceria na opinião dos que se interessaram pelo livro.
Escreve dando sua opinião.
Quando você vai pra fora? Estou escrevendo pouco porque quero botar logo esse
cartão no correio, uma vez que me ocorreu que talvez a palavra “urgente” no telegrama
signifique a sua partida para Teresópolis. Estamos bem, Maury e eu. Que todos aí
também estejam. Me escreva uma carta grande, bichinha. Em breve lhe mandarei uma
maior. Um abraço bem grande da sua
Clarice


Roma
1944
Roma, 8 novembro 1944
(Carta velha...)

Elisa, queridinha:
Você não é minha amiga? Por que você não me escreve dizendo coisas suas,
dizendo do apartamento, do trabalho, de você mesma?
Estou escrevendo à última hora, antes de levarem as cartas, e mesmo depois de
ter escrito a vocês duas. Mas quis ainda fazer este apelo de última hora, na esperança de
comover você. Me diga também sobre Tania, se ela está muito cansada. Por favor, se
você me quer bem, escreva.
Cuide-se, divirta-se, cuide de Tania, seja feliz. Nem sei mais o que dizer, tão
aflita fico por convencer. Diga sobretudo o motivo porque até agora não me escreveram.
Um abraço da
Sua Clarice


Roma, 3 dezembro 1945

Estou fazendo tanta confusão com estas cartas... Estou escrevendo no verso da 1ª
carta a 3ª... Estou escrevendo para dizer que me sinto muito bem; que estou me
divertindo em Roma e que só de olhar para mim se vê que eu estou + repousada. Todos
mesmo dizem isso e me sinto assim. A gripe melhorou. Tenho conhecido pessoas
interessantes, como uma grande pintora, Leonor Fini (Leonor Fini (1908-1996). Pintora
surrealista nascida na Argentina e criada em Trieste (Itália). Deu-se com pintores como
De Chirico, Dali e Picasso.). E mesmo a presença de Açucena que é muito amiga me faz
bem.
Eu amo vocês e amo Marcia; que é que me falta? ... Estou muito bem, queridas.
E no ano que vem e vem perto vou aí. D. Zuza (Sogra de Clarice.) deve estar chegando
em França e traz cartas para mim e retratos... Minhas queridas, recebam meu abraço e
me recebam
Clarice



Roma, 2 janeiro 1946

Minha irmãzinha querida:
Feliz Ano-Novo!
Minha querida, suas cartas miúdas foram afinal completadas com algum relato
de d. Zuza que você está bem disposta, bonita e querida. Isso me deu grande alegria e
grande calma. Depois de ouvi-la falar sobre vocês duas, depois de passada a emoção
dormi tão tranquila e feliz...
D. Zuza chegou bem, fatigada pelas peripécias da viagem. Ela gosta muito de
vocês e vive fazendo elogios sinceros. Sem saber que eu estava ouvindo, ela estava
dizendo à mãe de Eliane (Cunhada de Clarice, casada com Mozart Gurgel Valente.)
coisas de vocês de fazer meu coração aumentar de volume.
Estou aqui em Roma há muito tempo, mais do que Maury que tem voltado para
Nápoles também. Depois de amanhã voltaremos a Nápoles, sem ter visto as coisas que
vêm para nós, as milhares de coisas que vêm para mim, nem os retratos. É que as
bagagens estão em Milão, a caminho daqui e nós não podemos esperar mais. Porém
quando eles vierem para Roma, seguirão para Nápoles pelo portador de maior
confiança. Espero que a senhora tenha se lembrado de mandar retratos seus para mim e
isso constituirá meu melhor presente. Recebi com a sua carta o artigo de Rubem Braga
(Rubem Braga conheceu Clarice em Nápoles, em 1944, quando foi designado para fazer
a cobertura jornalística das atividades da Força Expedicionária Brasileira. No fim da
guerra, em 1945, voltou ao Brasil e publicou Com a FEB na Itália onde reuniu as
melhores crônicas enviadas ao jornal. Foi o editor de Clarice junto com Fernando
Sabino na Sabiá e na Editora do Autor.).
Minha querida, suas cartas são tão minúsculas em comparação com as que eu
tenho mandado para você que dá vontade de fazer você experimentar a sensação de
abrir o envelope e encontrar um bilhetinho... Compreendo porém que você é muito
ocupada e faço mesmo questão que você só escreva muito quando puder e tiver vontade.
As notícias sobre Marcia são as mais animadoras: aquela conversa pelo telefone dela
com Tania sobre se usar ou não meias para o aniversário, mostra que a menina anda pelo
caminho da mãezinha e isso é um bom documento. Eu não sei se você já pensou nisso,
mas assim como você sonha comigo em pequena, eu estou habituada a uma ideia de
uma Marcia menor e essas coisas me fazem cair na gargalhada. Eu conto o tempo
separada dela desde Belém. Comprei uma boneca “Lenci” para ela, não tão bonita
quanto eu queria, mas vai ver quando eu mandar a boneca, a Marcia não terá tempo de
brincar com ela porque estará lendo Proust.
Minha irmãzinha querida, que vontade de abraçar você que me deu! Não sei
quando irei ao Brasil, mas irei com você ao cinema e compraremos doces para nos
enjoarmos bem enquanto assistimos o filme policial...
D. Zuza ainda me pareceu + simpática. E fiquei contente e emocionada quando
vi que ela compreendia com tanta simplicidade e naturalidade a minha vontade de ir ao
Brasil. Isso me dá muita força. Só que eu não sei quando poderei ir. Por enquanto há
necessidade quase de dar a volta ao mundo para aportar no Rio. D. Zuza lembrou a ideia
de eu voltar com ela. Vamos ver se vem a designação de Maury para outro posto. Se
vier, conforme o posto, haverá ou não haverá vantagem de partir para o Brasil de
Nápoles ou do outro posto, conforme a situação deste. Se for um lugar de onde partam
transportes diretos para o Brasil, a coisa será maravilhosa. Se não, arranjarei um jeito
qualquer de ir daqui mesmo.
Minha querida Leinha, tenha cuidados consigo mesma, seja feliz, não me
esqueça. Não trabalhe demais, divirta-se. Eu estou bem de saúde, não tenho sentido
nada. Só que preciso tratar com urgência dos dentes e isso farei logo que chegar em
Nápoles. Me dê um abraço, seja feliz, tenha um ano como você deseja e eu desejo.
Um abraço de sua irmã
Clarice



Berna, 6 fevereiro 1947

Minhas queridas,
Apesar de ter estado em Paris por um mês e parecer ter tantas novidades, o fato é
que escrevo esta para pedir notícias e pedir que escrevam. Receberam minhas duas
cartas de Paris? Lá fui muito a teatro, a uns doze; fui de novo ao Louvre, fui de novo ao
museu Rodin (Auguste Rodin (1840-1917). Escultor francês autor de O pensador.), fui a
muitas “boites de nuit”... Das mais loucas. Uma delas, chamada La Montagne, é
frequentada por mulheres que gostam de mulheres. Outra, chamada La vie en rose, é
frequentada por homens que gostam de homens... Conheci muitos brasileiros, como lhes
disse. Fiquei mais amiga da Bluma, de quem já gostava muito. Ficamos amigos de
Santiago Dantas. De Ceschiatti (Alfredo Cheschiatti, escultor. Conviveu com Bluma
Wainer em Paris. Numa carta endereçada a Clarice (18 de maio de 1947), disse ter
gostado de ler O lustre.), o rapaz que ganhou o 1º prêmio de escultura moderna no
Brasil. Comprei dois vestidos, um no Lelong, outro no Alex. E comprei um chapéu no
Jaques Fath. Nos cansamos muito, a vida que se leva lá, estando pouco tempo, fica
vertiginosa. Já estava com vontade de me pôr a sério, a ler, a trabalhar, a levar uma vida
mais limpa por dentro e por fora. Vamos nos mudar no dia 15, acho eu. Não tem
importância o endereço que vocês botarem, porque o correio aqui é ótimo e tudo o que
vier para Ostring será automaticamente enviado para o novo endereço. - Em Paris
comprei umas lembrancinhas para vocês, que seguiram de navio com Carlos Perry.
Tudo o que eu dei a ele, ele deve ter espalhado pelas malas, porque não podia ir num
pacote só. Junto de cada coisa escrevi meu nome, mas pode ser que dê confusão. Assim
aí vai a lista do que mandei: para você, Elisa: um colar dourado e brincos dourados, e
um vidrinho de perfume chamado “Dans la nuit”, de Worth (pode ser que me engane,
mas achei o colar e os brincos lindos; quando você quiser vestir mais “toilette”, põe as
duas bolinhas do colar para a frente, e quando quiser menos toilette, ponha para trás).
Para você, Tania, os brincos que você pediu, uma blusa branca de renda, um baton
Schiaparelli e um vidrinho de perfume chamado “Je reviens”, de Worth; os brincos não
sei se são os que se usam no Rio pois mme. Jenny ficou de comprá-los para mim e
como estava demorando, fiquei com medo de que ela esquecesse e resolvi arriscar;
achei preferível comprar a blusa de renda em cor branca, por causa do tempo no Rio - a
renda é feita a mão, e a blusa serve para ser usada também com saia comprida preta para
baile, no inverno também - uma moça em Paris que tem também uma, não tão bonitinha
como a sua, e ela faz com ela grandes toilettes, apesar da dela ser mais esportiva. Para
dona Zuza, um broche e um vidrinho de perfume chamado “N”, de Lelong. - Em Paris
tirei retratos num grande fotógrafo, para vocês. Mas não saíram bons. O fotógrafo me
mexeu tanto nos cabelos e não me avisou que eu estava despenteada, de modo que
pareço ainda mais relaxada do que sou... (isso é para prevenir carões de vocês... sou
sabida.) Compramos também uma máquina fotográfica. Dagora em diante poderei
mandar retratinhos de vez em quando. Que mais? Talvez mande logo os retratos, mas
talvez, se souber que vai alguém embora mando então, para não se amassarem. Meu
trabalho agora vai ser afastar um pouco mme. Strasser. O que ela quer não me agrada:
ficar sempre juntas. Apesar de eu simpatizar com ela, ela não é exatamente a amiga que
eu escolheria. Além do mais não posso mais perder tanto tempo. Ela é meio
intelectualizada, sem grande simplicidade. Vocês são as minhas maiores amigas, isso é
verdade. - Engraçado é que voltando de Paris, fiquei surpreendida de voltar para Berna;
minha certeza era voltar de Paris para o Brasil... Conversando eu diria muito sobre
Paris, contaria muitas pequenas coisas. Estou com muita saudade de vocês. Falei tanto
de vocês a Bluma. Contei as coisinhas de Marcia a várias pessoas e elas simplesmente
adoraram. Levei retratos de vocês e de Marcinha para mostrar. Mandem mais retratos.
Há muito tempo não recebo nada. E escrevam, minhas queridas. Acusem o recebimento
das lembranças de Paris; dei o telefone de casa a Perry. Alguém terá que ir buscar no
endereço que ele der. Passem a usar perfume, vocês não sabem como isso é bom para a
gente mesma e para os outros. A parisiense gasta um vidro de perfume por mês. Eu serei
a fornecedora de perfumes para vocês, está bem? Vocês me escrevam quando um vidro
acabar, e que perfume vocês preferem. Elisa, procurei coisa simples para você, e achei o
colar dourado e os brincos dourados uma beleza (talvez eu não tenha gosto), mas a casa
onde comprei tem de sobra...
Minhas queridas, me despeço quase correndo... para esta carta chegar logo e eu
receber logo a resposta. Rosa esteve na Itália e trouxe para mim uma planta e um
jarrinho pequeno de porcelana... Minhas queridas, seria tão bom, agora, às 7 horas da
noite, quinta-feira, abraçar vocês e conversar um pouco. Estou abraçando vocês e
conversando, só que é de longe. Mas “je reviens”... (“Eu volto.”)
Clarice



segunda-feira, 15 de abril de 2013

Sobre homens e animais

Ao ler a obra A revolução dos bichos, de George Orwell, identifiquei-me bastante com as personagens que são oprimidas. Embora seja uma história satírica, que em alguns aspectos lembre uma fábula, este livro faz uma crítica sarcástica sobre as sociedades que vivem sob ditadura. Pode parecer fácil a ligação desta história com a situação da antiga União Soviética, quando estava sob o comando de Stalin, por isso prefiro pensar em como este livro afeta nossa atualidade, no ano de 2013. Já passamos pela ditadura política, hoje vivemos outras ditaduras. O que nos oprime atualmente são questões diferentes, a forma como somos dominados hoje em dia é mais subliminar. Se outrora houve a força bruta para a dominação das massas, agora tal dominação ocorre pela mente. Hoje em dia a sedução com falsas promessas de ascensão social e a sedução pelo consumismo, entre tantas outras formas mais "suaves" e eficazes de conquista de uma pessoa, as iludem de que o melhor para todos é aprimorar o sistema de produção, quando na verdade o sistema de distribuição de bens e e riquezas pouco é discutido. Enfim, o livro tocou-me sentimental e intectualmente. Muitas imagens foram sendo criadas em minha mente; ora mais lúdicas, ora mais reais. O livro é isto, nos mostra a realidade sob uma estrutura fabular.
Só a título de ilustração deixo abaixo uma imagem da personagem do cartunista argentino Quino:

O saber é uma forma de dominação. Os que nada sabem, geralmente, são oprimidos.